O Ricaço Distraído

Existiu um homem devoto que chegou ao Céu e, sendo recebido por um Anjo do Senhor, implorou, enlevado:

- Mensageiro Divino, que devo fazer para vir morar, em definitivo, ao lado de Jesus?

- Faze o bem - informou o Anjo - e volta mais tarde.

- Posso rogar-te recursos para semelhante missão?

- Pede o que desejas.

- Quero dinheiro, muito dinheiro, para socorrer o meu próximo.

O emissário estranhou o pedido e considerou:

- Nem sempre o ouro é o auxiliar mais eficiente para isso.

- Penso, contudo, meu santo amigo, que, sem ouro, é muito difícil praticar a caridade.

- E não temes as tentações do caminho?

- Não.

- Terás o que almejas - afirmou o mensageiro -, mas não te esqueças de que o tesouro de cada homem permanece onde tem o coração, porque toda alma reside onde coloca o pensamento. Tuas possibilidades materiais serão multiplicadas. No entanto, não olvides que as dádivas divinas, quando retidas despropositadamente pelo homem, sem qualquer proveito para os semelhantes, transformam-no em prisioneiro delas. A lei determina sejamos escravos dos excessos a que nos entregarmos.

Prometeu o homem exercer a caridade, servir extensamente e retornou ao mundo.

Os Anjos da Prosperidade começaram, então, a ajudá-lo.

Multiplicaram-lhe, de início, as peças de roupa e os pratos de alimentação; todavia, o devoto já remediado suplicou mais roupas e mais alimentos. Deram-lhe casa e haveres. Longe, contudo, de praticar o bem, considerava sempre escassos os dons que possuia e rogou mais casas e mais haveres. Trouxeram-lhe rebanhos e chácaras, mas o interessado em subir ao paraíso pela senda da caridade, temendo agora a miséria, im­plorou mais rebanhos e mais chácaras. Não cedia um quarto, nem dava uma sopa a ninguém, declarando-se sem recursos para auxiliar os necessitados e esperava sempre mais, a fim de distribuir algum pão com eles. No entanto, quanto mais o Céu lhe dava, mais exigia do Céu.

De espontâneo e alegre que era, passou a ser desconfiado, carrancudo e arredio.

Receando amigos e inimigos, escondia grandes somas em caixa forte, e quando envelheceu, de todo, veio a morte, separando-o da imensa fortuna.

Com surpresa, acordou em espírito, deitado no cofre grande.

Objetos preciosos, pedaços de ouro e prata e vastas pilhas de cédulas usadas serviam-lhe de leito. Tinha fome e sede, mas não podia servir-se das moedas; queria a liberdade, porém, as notas de banco pareciam agarrá-lo, à maneira do visco retentor de pássaro cativo.

- Santo Anjo! - gritou, em pranto - vem! Ajuda-me a partir, em direção à Casa Celestial!...

O mensageiro dignou-se baixar até ele e, reparando-lhe o sofrimento, exclamou:

- É muito tarde para súplicas! Estás sufocado pela corrente de facilidades materiais que o Senhor te confiou, porque a fizeste rolar tão sômente em torno de ti, sem qualquer benefício para os irmãos de luta e experiencia...

- E que devo fazer - implorou o infeliz -para retomar a paz e ganhar o paraíso?

O Anjo pensou, pensou... e respondeu:

- Espalha com proveito as moedas que ajuntaste inutilmente, desfaze-te da terra vasta que retiveste em vão, entrega à circulação do bem todos os valores que recebeste do Tesouro Divino e que amontoaste em derredor de teus pós, atendendo ao egoísmo, à vaidade, à avareza e à ambição destrutiva e, depois disso, vem a mim para retomarmos o entendimento efetuado há sessenta anos...

Reconhecendo, porém, o homem que já não dispunha de um corpo de carne para semelhante serviço, começou a gritar e blasfemar, como se o inferno estivesse morando em sua própria consciência.

XAVIER, Francisco Cândido. Alvorada Cristã. Pelo Espírito Neio Lúcio. FEB. Capítulo 9.