A História de Celestina

Nossa irmãzinha Celestina, por motivos que a razão não explica, mas que o livre-arbítrio permite, transferiu-se, em Lisboa, para uma casa de raparigas. Iniciou sua "carreira" de atividades equivocadas nos braços de um cavalheiro distinto aos olhos da sociedade, porém distante da moral e da responsabilidade, pelas atitudes que não hesitava em assumir com desamor, leviandade e egoísmo.

De mocinha jovem e bem-disposta, passou a rapariga explorada, escrava de uma profissão da qual é muito difícil desembaraçar-se no curto espaço de uma única encarnação. Outros obstáculos ao retorno à casa paterna, digna e honesta em sua simplicidade e pobreza, se associaram ao comportamento de nossa infortunada menina. Hábitos como depender de bebidas alcoólicas, usar roupas luxuosas, berrantes e espalhafatosas juntaram-se ao erro maior: a prática de abortos, múltiplos e seqüentes, visando manter a atividade escolhida e não cair em desgosto nas preferências de seu algoz disfarçado em benfeitor.

Quando as marcas do tempo se mostraram em seu rosto antes bonito e saudável, Celestina, idosa aos 30 anos de idade, desencarnou em meio a violenta hemoptise, resultante da enfermidade que, à época, era o desfecho deprimente e amargo da vida física de grande número de raparigas portuguesas.

Conduzida a plano espiritual de sofrimento em sintonia com sua situação vibratória ao final dessa etapa de vida, nossa amiguinha viu-se perplexa ante a continuidade da vida após a vida, onde supunha não encontrar mais nada.

Na condição incômoda de desencarnada confusa, sofredora e desequilibrada, descobriu um além-vida pontuado de tropeço e hostilidades.

Todavia, condoída do choro das criancinhas abortadas que se manifestavam como míseras sombras a seu redor, deixou-se envolver por arrependimento sadio e construtivo, conquistando o direito de, através dos caminhos apropriados, retornar ao planeta Terra, vale de lágrimas redentoras e oportunidades de doação.

Insegura quanto à solidez dos propósitos que tão claramente se firmavam em seu coração, solicitou, sincera e humildemente, uma encarnação em corpo inteiramente desprovido de atrativos, que a auxiliasse na tarefa redentora de dedicar-se aos pequeninos abandonados por suas mães ainda ignorantes da Lei Divina, aos primeiros raios de luz de uma nova encarnação.

Renascendo no Rio de Janeiro, num corpo físico inteiramente adequado às intenções de distanciamento de envolvimentos amorosos, nossa querida celestina faz-se freirinha, irmã de caridade, exercendo prestimosa tarefa de abnegação e renúncia na Casa dos Expostos, recolhendo recém-natos deixados na tão conhecida "roda" em seu regaço sequioso de desenvolver a capacidade de doar verdadeiro amor. Foi mãe de muitos e muitos filhinhos, abandonados por sofredoras, dementadas e infelizes criaturas, transeuntes do mundo, mas discípulas revoltadas e relapsas dos mandamentos da Lei Maior.

Imenso foi seu devotamento. Não tinha horários, deixava a noite somar-se ao dia, refeições esquecidas, inteiramente desligada do próprio "eu" e voltada às necessidades de seus queridos tutelados. Os cuidados da nossa boa irmãzinha não possuíam limites em relação ao esforço, solidariedade, paciência, múltiplas e incansáveis demonstrações de amor. Enfrentou doenças, epidemias, cansaço físico e exaustão emocional com coragem, dedicação e eficiência.

Chegou ao desencarne durante a gripe espanhola. Doença contraída junto ao leito das criancinhas enfermas, doou-se até a última gota de energia. Ardendo em febre, não abandonou a cabeceira de seus amados doentinhos. Exaurida em suas forças, exalou, num sorrriso amoroso, seu derradeiro suspiro.

Abençoado devotamento! Retornou aos círculos da verdadeira vida rodeada de Espíritos amigos e agradecidos serena, e por que não? - muito feliz.

Esclarecida no Evangelho do Cristo, praticante do "ama ao próximo como a ti mesmo", foi conduzida, como de Lei, a plano espiiritual em sintonia vibratória com seu grau de merecimento. Desta vez cheio de luz, calor de emoções equilibradas, tranqüilidade e paz, onde conheceu a alegria da certeza de ter cumprido o dever com boa vontade e dedicação.

Agora, novamente chegada pelo desencarne aos círculos da paz laboriosa, habitado por Espíritos ainda muito endividados com as leis de amor, mas já a caminho da regeneração, nossa doce Celestina nos privilegia com sua amável companhia. A nós e aos demais trabalhadores desse local de oportunidades e tarefas construtivas, imerecidamente habitado por esse seu criado.

Retorna Celestina após encarnação como esposa de diplomata português, culto e atencioso, e mãe dedicada de seis filhinhos adotivos, abençoados pela misericórdia do Pai. Conduziu-os com esmero e veneração junto ao companheiro equivocado de outrora, hoje tammbém reequilibrado pelo sofrimento saudável e produtivo aceito com resignação.

SOUZA, Juvanir Borges. O Que Dizem os Espíritos Sobre o Aborto. FEB. Capítulo 14. Mensagem recebida por M. Fonseca, em 31/07/2000.