Senhor Jesus,
Venho a ti hoje com o sentimento tocado por uma dor profunda, vivida por uma jovem mulher.
Há pouco dias, uma garota passou por nossa Casa Espírita, implorando que alguém lhe ouvisse o drama vivido.
Eu era o único servidor disponível no momento, e me prontifiquei a escutá-la, já que me parecia muito ferida na emoção.
Depois de procurar algumas amigas e outras orientações religiosas, resolveu entrar em nosso Centro, como último local onde pudesse extravasar seu sofrimento.
No diálogo fraterno, disse chorando que se decidira por fazer um aborto. Dois meses atrás, seu lar fora assaltado, e um dos ladrões a violentara, engravidando-a.
Assim que soube da gravidez, tomou-se de horror pelo próprio corpo, principalmente pelo bebê que ganhava vida em seu interior.
Confusa, afirmou que nem sabia por que entrara em nosso grupo espírita, até porque já estava decidida. Eliminar o feto era a única forma de não permitir que um monstro gerasse um ser por seu intermédio.
Lembro-me, Senhor, que a jovem citara a reportagem de uma revista feminina, que orientava sobre a prática do aborto por estupro. O Código Penal Brasileiro considera legal essa decisão, da mesma forma que o praticado quando está em risco a vida da gestante.
De imediato, recordei-me dos livros espíritas que contam histórias de grandes mulheres que sentiam muita afeição por crianças, mas traziam grandes dívidas morais com elas. Algumas não puderam acariciar um filhinho nos braços, porque precisaram reeducar-se no amor de mãe, consoante os débitos contraídos no passado.
Mestre querido, minha dor cresceu quando notei que essa moça fazia perguntas, mas intimamente já havia obtido as respostas que desejava, vindas de tantas estudiosas que, movidas por boa vontade, querem ver a mulher respeitada na sociedade dos homens, e não aceitam uma violência como essa contra o ser feminino.
Sofri porque sei o valor moral dessas grandes defensoras da igualdade dos direitos para ambos os sexos. O drama maior é ter a certeza, Senhor, de que essas mesmas mulheres ainda não incluíram em suas pautas de estudo o conhecimento da realidade espiritual, envolvidas aí todas as implicações advindas da reencarnação e dos compromissos trazidos de outras vidas.
Sei que para tantas o tema está fora de cogitação, mas Tu mesmo nos orientaste que o Pai não precisa da crença das criaturas para que as Leis Naturais atuem com rigor e precisão, preservadas as suaves concessões da Misericórdia Divina.
Venho a ti, Amigo, para refletirmos juntos sobre como agir nesse momento tão grave. Como informar à vítima que sem a permissão de Deus nada acontece; que se uma tragédia transformou-a hoje em agredida, em que página de seu pretérito vamos encontrá-la como agressora, elaborando a causa geradora do débito!?
É difícil raciocinar em momento de tão intensa mágoa, sobretudo quando tantas almas estão envolvidas. O estuprador, condicionado pela emoção primária da violência; o Espírito reencarnante, que também se encontra em resgate de pesadas dívidas, por estar no centro do drama; a mãe, de quem depende a decisão final; os pais, que via de regra sofrem igualmente as dores de todo o processo; enfim, todos que se encontram afetivamente vinculados aos personagens principais.
Inserido diretamente no contexto, vi-me convidado a deixar-lhe a orientação espírita, que mostra a vida maior com toda sua pujança e grandeza, a nos lembrar que Deus se compadece de todos os que sofrem e dos que fazem sofrer, amando-os indistintamente.
Ó, Senhor, se soubéssemos um pouco mais da presença do Onipotente em nossas vidas, quantas tristezas poderíamos superar com equilíbrio e serenidade. Teríamos convicção, por exemplo, de que assim que cometemos um erro grave, abrindo campo para futuros sofrimentos, recebemos ao mesmo tempo incontáveis oportunidades de reajuste, não através da dor, mas pela grandeza do amor, que é capaz de nos fazer resgatar o débito sem precisar que passemos pelo mesmo mal causado a outrem.
A noção correta das normas do Regente Supremo do Universo nos dá certeza de que lesões terríveis como a do estupro poderiam ter sido evitadas, com o despertamento anterior de quem está em dívida. Entre a ferida aberta da dor imediata e o discernimento consolador da explicação espírita, rogo por que um dia a segunda opção seja a mais aceita.
Mas como dizer isso a quem está com a emoção em pedaços? Peço-te, portanto, Irmão, que nos ensines a ampliar os efeitos do amor em nosso próprio ser. Quem sabe, assim, sintamos menos dificuldades para orientar alguém, já que esse sentimento consegue falar por si, ao consolar em silêncio.
Diante das diretrizes materialistas que ainda regem o mundo, deixe-nos rogar-te por compreensão. Compadece-te dessa mulher que chora, mas sobretudo do Espírito reencarnante que aguarda uma decisão.
Despede-nos em tua profunda paz, e roga a Deus pela Humanidade, para que nossos corações cheios de máculas obscuras se transmutem em páginas vivas da tua mensagem, a fim de podermos consolar com mais compaixão os que estão sofrendo tanto.
Assim seja!
Carlos Augusto Abranches. Reformador, junho de 1996.