Desde que bebera a substância venenosa, Marina sentia-se morrer, sem morrer.
Não queria viver mais. Experimentara o desprezo de Jorge, o jovem de quem se enamorara e com que acariciava o sonho de casar-se e criar os filhos.
Foram dois anos de esperanças. Tudo em vão.
Não dera ouvidos ao pai que costumava dizer-lhe: “cuidado com os rapazes de hoje, filha, nem sempre têm bom caráter.” Achava o paizinho antiquado e exigente.
Mas como resistir? Jorge a buscava todas as noites. Começou pedindo livros emprestados. Depois de algumas semanas estavam juntos no cinema.
O filme era envolvente. Contava a história de uma jovem tímida, contrariada pela família, que entregara-se ao rapaz, com quem fugiu, confiante.
Ninguém poderia dizer o que aconteceria depois, mas o cinema coroara a aventura com um romântico beijo.
Na saída, a garoa fina. Jorge a convida para um passeio. Marina pensava na heroína do filme, e não teve coragem de dizer não.
Pela primeira vez Marina mentiu à mãezinha que a esperava, ansiosa, às três horas da madrugada. “a chuva atrapalhou, mãe, ficamos na casa de Jorge até agora.”
Outros tantos passeios a sós se repetiram até que um dia Marina sentiu-se enjoada e com tonturas. Jorge a levou ao consultório de um médico, ainda jovem, que a olhava com ares de malícia. A moça ficou um tanto revoltada diante dele, mas submeteu-se ao aborto.
Desejava ser mãe, mas o namorado convenceu-a de que era preciso casarem-se antes. Terminaria os estudos e então se casariam.
Daquele dia em diante Marina sentia-se diferente. Via-se perseguida, em sonho, por alguém que lhe gritava aos ouvidos: “mãe, mãe, por que me mataste?
Contou seu drama ao namorado mas ele dizia que ela estava precisando de um psiquiatra.
O tempo passou e Marina sentia-se cada vez mais atormentada. Toda vez que falava sobre isso com Jorge ele a acalmava dizendo que logo se casariam.
Um dia, quando sentia-se muito deprimida, ela procurou Jorge, a quem considerava seu noivo, e o encontrou com outra moça. Ele a conduziu à pequena distância e explicou-se. Não a amava, confessou áspero. É melhor terminarmos assim, falou com frieza, antes de mais sérias dificuldades.
O mundo íntimo de Marina desmoronou.
A idéia de suicídio envolveu-a completamente.
No caminho para casa, adquiriu a substância letal.
Escreveu bilhetes.
E, pela manhã, sorveu a poção de uma só vez.
Pavorosa dor irrompeu-lhe na carne., Nos nervos, no sangue, nos ossos....
Convulsões sucessivas não lhe permitiam morrer.
Entretanto, ouvia sua própria mãe a gritar como louca: “Morta! Morta!”
Marina sentiu-se carregada. Dois homens a colocaram na ambulância. Ela não apenas chorava, rugia em contorções, mas ninguém lhe percebia agora os terríveis lamentos.
Viu-se atirada, sem qualquer consideração, na “laje fria”. Suplicava socorro. Agitava-se. Mas ninguém lhe dava ouvidos.
Depois de algum tempo é que percebeu que conseguira sair do corpo, porque identificou os jovens médicos a cortar-lhe as vísceras para exame necrológico.
Marina conseguira matar o corpo, mas continuava viva.
De pé, ainda cambaleante, sentindo todas as dores e convulsões de momentos antes, Marina grita:
Mãe! Minha mãe! Quero viver! Viver!
Outra voz, contudo, ecoou ameaçadora e sarcástica aos seus ouvidos:
Mãe, minha mãe, eu também quero viver! Viver!...
Procurou com os olhos agoniados quem lhe falava, mas apenas sentiu que braços vigorosos a aprisionavam.
Lembrou, aturdida, o aborto, os sonhos, a tortura e o suicídio, e esforçou-se terrivelmente para voltar e erguer-se de novo no corpo tombado na mesa fria.
Mas era tarde demais...
Equipe de Redação do Momento Espírita. Texto baseado no Cap. 22 do livro A Vida Escreve, ed. FEB..