Reacenderam-se as discussões sobre o aborto, com a visita do papa Bento XVI ao Brasil, ao declarar-se contrário a essa prática, reafirmando a posição da Igreja Católica em relação a esse crime contra a vida.
O pronunciamento do chefe da Igreja provocou declaração do Presidente da República, dizendo-se pessoalmente contrário ao aborto, mas ressalvando que, sendo laico o Estado, a questão foge à sua opinião pessoal.
A declaração presidencial não foi muito pertinente, uma vez que a questão do aborto não está vinculada à laicidade do Estado, mas está regulada por disposições constitucionais e legais em plena vigência, tais o artigo 5o da Carta Magna de 1988, que garante o direito à vida, e o artigo 2o do Novo Código Civil, que "põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
Portanto, o direito de viver, daquele ser que vai nascer, começa com a concepção, sendo o aborto provocado um crime contra a vida.
Essa questão nunca deixou de existir; seja pelo posicionamento das religiões, coerentes com a defesa da vida, em seu significado mais abrangente, desde a concepção do ser humano, seja pelo entendimento materialista, que não admite a vida humana senão sob o ponto de vista material, seja pela iniciativa de alguns representantes do povo junto aos órgãos legislativos, apresentando projetos de leis que admitem a destruição da vida antes do nascimento da criatura humana.
No âmago dessa complexa questão, envolvem-se interesses da sociedade em geral, das religiões e, particularmente, das mulheres que engravidam, mas não desejam o nascimento do ser gerado em seu corpo.
Diante dos diversos ângulos sob os quais se apresenta o abortamento provocado, o próprio Estado é envolvido em suas conseqüências, quando a saúde pública é afetada, pela ocorrência de procedimentos irregulares praticados pelos interessados, direta ou indiretamente, no ato abortivo.
Por isso, membros dos governos pronunciam-se a favor da regularização do aborto nos hospitais públicos e particulares, visando evitar que ele seja praticado por pessoas que não têm qualificação para o ato, provocando a morte da gestante, o que ocorre em grande número.
A simples exposição do que vem ocorrendo no Brasil e em outros países mostra a complexidade da questão do aborto provocado e as variadas propostas de soluções para os problemas por ele gerados.
Para o Espiritismo, o aborto provocado é um desrespeito à lei natural da reprodução dos seres humanos destinados a viver neste mundo.
O problema premente, portanto, não é o da liberação, ou não, do aborto, como muitos pretendem, inclusive órgãos governamentais, mas sim o de resolver a sua clandestinidade, praticada por pessoas sem competência para tal, tendo como conseqüência a morte de grande número de gestantes.
Não se pode construir um ambiente de paz, individual e coletiva, sem uma atitude de reverência, por parte de todos, pela vida, em seu sentido mais amplo.
O aborto provocado é um desrespeito à vida de um ser indefeso, que tem o direito de viver o qual precisa ser defendido por todos os que têm noção de um compromisso com os valores éticos e espirituais.
É gratificante constatar que o Movimento derivado da Doutrina Espírita é uma corrente de pensamentos que não se encontra dividida, no que concerne à defesa da vida humana, desde a concepção do ser.
Entre os espíritas conscientes e sinceros, não há discordâncias quanto à necessidade de proscrever- se o aborto, salvo no caso da necessidade de preservar a vida da genitora.
A vida humana, neste planeta, começando com a concepção, é um bem inviolável, concedido pela Providência Divina, que necessita ser compreendido e respeitado como tal.
Somente à Suprema Lei, que concedeu a vida, cabe determinar o momento de sua cessação.
Os homens precisam convencer- se dessa norma superior e obedecê-la. Aos que já a conhecem compete o dever de levar o seu conhecimento aos que a ignoram.
Como a vida é considerada e defendida em toda a sua abrangência, sem quaisquer restrições, pela atual Constituição, os projetos modificativos ou restritivos do dispositivo constitucional devem ser combatidos pelos que defendem a vida humana em toda a sua amplitude.
Na defesa dessa posição a favor da vida e diante dos perigos da hora presente, em que o ateísmo, a descrença, a indiferença e a ignorância põem em risco o dom de viver, cumpre a todos os espíritas o combate ao aborto indiscriminado e aos projetos legislativos que visam legalizá-lo.
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No caminho que o Cristo nos ensinou, para o conhecimento da verdade, que o Consolador desvendou, a vida se apresenta para os homens com uma significação ampla, plena de justiça superior, a reger todas as ações de cada um dos envolvidos no projeto do novo ser.
Assim, iniciada a vida na Terra, pela concepção, interrompê-la, destruí- la, constitui grave erro contra a lei divina uma vez que já está estabelecido, pela lei natural da reprodução, um vínculo entre o Espírito reencarnante e os elementos materiais oriundos dos pais, além das ligações espirituais e morais geradas entre todos os comprometidos com aquela ação.
O aborto é, sem dúvida, um desrespeito à vida humana, um crime semelhante ao homicídio, com as agravantes da inocência e falta de defesa da vítima.
O Espiritismo, ao lado de outras religiões, oferece esclarecimentos valiosos para a compreensão e o despertamento de muitas criaturas que praticam crimes e agem erradamente, por ignorância, por maldade e por insensibilidade diante do sofrimento alheio.
Por isso, ao lado de providências legislativas corretas, a reeducação moral e o conhecimento das realidades espirituais, que a Nova Revelação oferece, são meios eficazes para prevenir e evitar os crimes, entre os quais se insere o aborto.
A vida do Espírito na Terra, ligado a um corpo material, é bem inviolável, outorgado pelo poder divino. Seu desrespeito pelos homens constitui crime. Somente à lei divina cabe determinar as condições e o momento de sua cessação, cabendo às criaturas convencerem- se dessa norma superior e obedecê-la.
O "não matarás" da lei mosaica, de inspiração divina, ordenação das mais antigas que a Humanidade conhece, com conotação ampla e irrestrita, aplica-se, sem dúvida, ao aborto.
São de Bezerra de Menezes (Espírito) as seguintes palavras de sua mensagem, pelo médium Divaldo Pereira Franco, no encerramento da Reunião do Conselho Federativo Nacional, em 7/11/1993, referindo- se à campanha Em Defesa da Vida, lançada pela FEB em setembro daquele ano (Reformador de dezembro de 1993, p. 368-369):
"A vida, sob qualquer aspecto considerada é dádiva de Deus que ninguém pode perturbar. Todos os seres sencientes desenvolvem um programa na escala da evolução, demandando a plenitude, a perfeição que lhes é a meta final.
"Preservar a vida, em todas as suas expressões, é dever inalienável que assume a consciência humana no próprio desenvolvimento da sua evolução.
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"Não será lícito, portanto, esperarmos outra resposta, senão a da dificuldade.
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"Não temamos nunca! Estejamos unidos na defesa da Vida em uma família espiritual digna, suportando reveses e incompreensões. Ser espírita hoje é o mesmo que ter sido cristão ontem".
O direito à vida é amplo e irrestrito, consagrado em todo o mundo, embora nem sempre obedecido em toda a sua amplitude.
O ser humano, como sujeito de direito nas leis brasileiras, existe desde a sua concepção no seio materno, como previsto no artigo 2o do Código Civil. A vida é o primeiro e mais importante desses direitos.
A conclusão lógica, baseada no ordenamento legal é que o nascituro tem a proteção legal da defesa de seu bem maior - a vida - contra todas as práticas de abortamento. A única exceção admitida pela Doutrina Espírita decorre da necessidade da defesa da vida da gestante em primeiro lugar, nos casos raros em que se há de escolher entre sua vida e a do feto.
O direito da mulher de provocar o aborto para a defesa do seu próprio corpo, com a finalidade da descriminalização do ato praticado, parte de premissa falsa, já que o corpo do nascituro gera-se no seio da mulher, mas não se confunde com o corpo dela, visto que, ao fim de determinado tempo, dele se separa, com o nascimento.
Nem a mulher, ressalvada a exceção acima referida, nem o pai, nem qualquer interessado na destruição do corpo em formação do ser humano têm qualquer direito a invocar para justificar o crime do aborto provocado.
O Espiritismo opõe-se, também, ao aborto, quando a gravidez decorre de estupro, assim como ao aborto denominado eugênico.
No primeiro caso, se a mulher não aceita a criação do filho, por qualquer motivo psicológico, a solução não deve ser a morte do filho gerado, mas a sua adoção por outrem, ou sua entrega a uma instituição especializada, particular ou pública, dentre as muitas existentes.
No caso do denominado aborto eugênico, no qual o feto apresenta malformação congênita, também não se pode e não se deve optar pela morte provocada do ser. A melhor solução, recomendada pelo Espiritismo, nesta hipótese, é cuidar do nascituro com o desvelo necessário, e aguardar a solução natural, sem provocar-lhe a morte, pois aquele ser pode ter pedido exatamente a provação de nascer em um corpo defeituoso.
Cumpre-nos a todos glorificar a vida na Terra, dom superior em cada um de nós, desde o seio materno. Especialmente as mães precisam compreender sua responsabilidade perante as leis divinas.
Juvanir Borges de Souza. Reformador de Agosto de 2007.